Álcool na universidade: uma análise baseada na relação entre a influência social e a cultura universitária

Ao se pensar nas motivações do consumo de álcool pelos universitários e levando em consideração os altos índices de tal prática, é de extrema importância ter uma perspectiva social do fenômeno, analisando o ambiente e os tipos de relações interpessoais desenvolvidas no mesmo.

Segundo o livro “Psicologia Social”, a influência social é um dos fenômenos que ocorrem com mais frequência nos relacionamentos interpessoais. Logo, essa influência pode ser considerada como um agente motivador e facilitador da atribuição pelo sujeito de determinados comportamentos reforçados e valorizados em determinado ambiente. As influências provocadas pela, natural e necessária, interação social e as características deste ambiente, no caso a universidade, são pontos importantes para se analisar a prevalência de tal fenômeno.

A universidade é tida pelos universitários, na maioria das vezes, como um ambiente desafiador, devido aos constantes prazos e demandas com que os mesmos têm de lidar. Tais características incitam uma percepção enfadonha e parcialmente negativa do local. Desse modo, o álcool acaba sendo buscado por oferecer uma sensação de prazer momentâneo. A questão se inicia quando vemos a seguinte afirmação: nem todas as pessoas foram ensinadas a buscar essa alternativa de fuga. O que, então, dissemina esse mecanismo de fuga e esse comportamento?

Kelman propõe a existência de três tipos de respostas à pressão social, que são a complacência, identificação e a internalização. (ARONSON, 2004 apud RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009, p.172).  No caso da complacência uma pessoa cederia à pressão social estabelecida para evitar uma punição ou para receber uma recompensa (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009, p.172). Em se tratando do contexto universitário, é possível observar esse tipo de resposta em casos de trotes violentos que utilizam álcool ou em caso de ameaças por parte de veteranos que, ao invés de acolher, intimidam os calouros com a imposição de uma suposta autoridade. No caso da identificação, “o indivíduo seria influenciado pelo fato de identificar-se com determinada figura de evidente ascendência sobre ele” (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009, p.172). Dessa forma uma identificação por parte dos indivíduos dentro da esfera afetiva com alguma figura de autoridade ou até mesmo um desejo de ser como tal, seria um fator de influência. No âmbito universitário, a propagação de frases, como “beber alivia a pressão” ou “depois dessa semana de trabalhos, mereço encher a cara”, ditas por pessoas que o indivíduo julgue saber mais sobre o ambiente em questão, podem suscitar a origem de tal comportamento. E, por fim, no caso da internalização, de valores e crenças, “o sujeito, introjetando determinadas atitudes, não depende mais de reforços imediatos ou de identificações mais ligadas à esfera afetiva” (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009, p.172). Ou seja, aqui pode estar uma das causas da propagação do consumo de álcool no ambiente de ensino superior, visto que a internalização é o tipo de resposta mais duradoura, pois promove modificações no próprio sujeito e não apenas no seu comportamento.

Análises feitas por Asch (1946) obtiveram alguns resultados que também podem ser utilizados para explicar a alta incidência do comportamento em questão. “Asch colocou os participantes na seguinte situação: o sujeito ‘naive’ era propositalmente colocado numa posição tal que, antes de ser solicitado a emitir seu julgamento, vários aliados do experimentador já haviam emitido os seus.” (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009, p.166). Os aliados do experimentador eram instruídos a responder a questão do experimento de maneira errada, mesmo sendo de extrema facilidade perceber a resposta correta. Essas respostas errôneas seriam dadas em 75% dos julgamentos solicitados. Com os resultados, Asch observou que “cerca de 33% das respostas dadas pelos participantes eram no sentido de concordar com a maioria unânime, apesar do erro claríssimo que ela estava cometendo” (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009, p.166). Através de uma entrevista feita posteriormente ao experimento, Asch observou que parte dos participantes que se conformavam, ou seja, aceitavam o julgamento errado, o faziam por uma razão denominada distorção da ação, onde “percebiam que a maioria estava em erro, porém não tinham coragem de a ela se opor e, consequentemente, emitiam um julgamento semelhante” (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009, p.166). Tal lógica demonstra o poder de uma pressão social bem estabelecida e o medo que o indivíduo tem de ser rejeitado por seu comportamento ser considerado anormal. Ou seja, já que no ambiente universitário a maioria dos estudantes bebem, os que chegam são propensos a perpetuar o comportamento, pelo motivo já explicitado.

French e Raven (1959) propuseram uma classificação das bases de poder social, sendo que cada uma possuem um potencial de influência social. Tais bases são: o poder de recompensa, o poder de coerção, o poder de legitimidade, o poder de referência e o poder de conhecimento. Em 1965, Raven adicionou mais uma base de poder: o poder de informação (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009, p.177). Os poderes de recompensa, coerção e de referência são os que mais se assemelham às proposições já tomadas quanto ao uso do álcool na universidade no presente trabalho, através da análise das respostas à pressão social, mencionadas anteriormente.

O poder de recompensa ocorre “quando A é capaz de influenciar B em virtude da possibilidade que A tem de recompensar B caso este obedeça” (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009, p.177). Tal poder se assemelha muito com o poder de coerção, que ocorre “quando A é capaz de influenciar B em virtude da possibilidade que A tem de infligir castigos a B caso este não obedeça” (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009, p.178). Essa semelhança se dá pelo fato de que o indivíduo pode compreender o não recebimento do castigo como uma recompensa e o não recebimento da recompensa como um castigo. Observa-se a incidência desse tipo de relação de poder nos trotes violentos, já citados anteriormente neste trabalho, ou em argumentos benéficos que possam ser utilizados por universitários mais experientes, reforçando, por exemplo, o prazer e o alívio proporcionados pelo álcool em meio ao ambiente de pressão.

Tal incidência também se dá caso universitários que possuam certa influência, por ser veterano ou por ter uma boa reputação, utilizem da mesma para, indiretamente ou diretamente, propiciar um interpretação positiva do consumo de álcool. Neste ponto, há a ocorrência do poder de referência, que consiste na possibilidade das pessoas de desempenharem o papel de ponto de referência positiva ou negativa (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009, p.178).

Tendo em vista todas as análises feitas anteriormente, é necessário falar sobre outro aspecto presente na cultura universitária: as denominadas “calouradas”, que consistem num evento de recepção dos calouros. Tal evento costuma ter a presença de bebidas alcóolicas e, nesse caso, a pressão social estabelecida ocorre, mesmo que indiretamente, já que se uma pessoa não for ao evento é possível que a mesma demore para construir uma interação maior com a comunidade universitária. Ou seja, há aqui uma relação baseada no poder de coerção, onde a não interação assume o papel do castigo. E, uma vez estando neste ambiente, o comportamento da massa pode induzir, mesmo que indiretamente, o indivíduo a também se comportar de determinada forma, por diversos motivos, como o já mencionado medo da rejeição ou como a distorção da ação explicitada nos resultados de Asch, onde há uma tendência a agir como a maioria, mesmo que o indivíduo considere tal ação como errada.

Vale ressaltar que as proposições mencionadas aqui tratam-se de linhas gerais sobre o papel da influência social e da cultura do ambiente universitário no indivíduo. Ou seja, as análises aqui contidas não possuem o objetivo de propagar informações com caráter generalizador, pois o indivíduo, como ser único e de notória subjetividade, possui o poder de escolha e suas próprias questões como indivíduo. Por exemplo, “Rodrigues e Cavalcanti (1971) estudaram o papel desempenhado pela autoestima na situação de Asch, mostrando que pessoas com a autoestima elevada são menos suscetíveis de influência” (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009, p.172). Logo, observa-se a importância de compreender que a influência social e o ambiente não determinam uma ação, e sim formalizam uma situação de predisposição à mesma, devendo ser levada em consideração a subjetividade e as características próprias do sujeito, que vão demonstrar o quão influenciável este indivíduo é a determinada situação. Ou seja, as situações de vulnerabilidade em que cada indivíduo está presente também configuram-se como pontos importantes e que devem ser levados em consideração. O que, no entanto, não desmerece o poder da influência do ambiente. Caso este poder fosse mínimo, a publicidade não seria mais utilizada e os números de universitários que consomem bebidas alcóolicas não teriam tamanha proporção. 

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