Envelhecer como parte do desenvolvimento
O estudo sobre o envelhecimento pela Psicologia é relativamente recente. A psicologia do Desenvolvimento tinha orientação para a produtividade e a autonomia do adulto, para tanto, teóricos muito conhecidos como Vygotsky e Piaget desenvolveram seus estudos com crianças. Nesse contexto, o envelhecer se apresenta como um declínio, pensamento modificado posteriormente, como aponta Fonseca (2007):
[...] se durante a primeira metade do século XX predominaram concepções que restringiam o desenvolvimento ora à sequência crescimento-estabilidade-declínio, ora aos períodos da infância e da adolescência, ao longo da segunda metade do século foram emergindo concepções de natureza multidisciplinar que refletiam conceitos diferenciados de desenvolvimento (p. 277).
Esse enfoque amplo permitiu à psicologia a perspectiva de que o desenvolvimento decorre ao longo de todo o processo vital e proporcionou a origem da psicologia do envelhecimento.
Erik Erikson foi um dos primeiros estudiosos a expandir o estudo do desenvolvimentista à senescência. Ele disserta sobre o desenvolvimento psicossocial, considerando oito estágios, chegou até a discorrer sobre um nono estágio, compreendendo a faixa etária acima dos 80. O oitavo estágio se refere à idade para além dos 60 anos, a velhice, em que o sujeito revê suas experiências anteriores, sente um medo da morte, tem dificuldade de integração e vive a integridade do ego como resultado das sete etapas anteriores. Esse indivíduo enfrenta tensões como autonomia versus vergonha e generatividade versus estagnação. Segundo ele, o ciclo da vida individual deve ser entendido no contexto social. “Sem um ideal culturalmente viável da velhice, a nossa civilização realmente não possui um conceito da totalidade da vida” (ERIKSON, 1998, p.96).
As alterações biológicas decorrentes da senescência (decréscimos de plasticidade e sinapses) acarretam défices cognitivos, principalmente redução da velocidade de processamento, da memória de trabalho e de funções executivas. No entanto, não se trata de um declínio linear, manifesta-se de acordo com fatores genéticos, sociais e de estilo de vida, como alimentação e prática de atividade física.
Segundo as perspectivas associadas a Baltes, o envelhecimento intelectual é um processo plástico, flexível, multidimensional e multidirecional que ao longo dos anos vai sofrendo algumas alterações e modificações consoante os diferentes indivíduos. Posto isto, para o mesmo autor, estas alterações resultam de um processo de declínio das capacidades intelectuais que dependem do funcionamento neurológico, sensorial e psicomotor (NERI, 2006). Também Argimon (2006) afirma também que este declínio está associado a uma diminuição do tempo de reação e na velocidade de processamento de informação que se vai deteriorando ao longo do ciclo vital (FERNANDES, 2015, p.24).
Pode-se afirmar também que na velhice há uma diminuição das atividades, o que não estimula o cérebro preservar suas funções.
[...] o maior problema do cérebro que envelhece é a redução na absorção de novos conhecimentos, e na velocidade de reflexos motores na Terceira Idade. [...] a leitura, bem como outros exercícios intelectuais que, induzem a novas conexões neuronais, podem melhorar as condições na absorção e na velocidade de novos conhecimentos. [...] O cérebro como qualquer outro membro do corpo humano, necessita de exercícios contínuos para manter um melhor aproveitamento de funções, assim podemos afirmar que ao mantermos atividades que estimulem o trabalho cerebral, poderemos melhorar a atividade de cognição (NEIVA, 2006 apud PINHEIRO, 2009, p.19).
Jean Piaget foi um pesquisador do desenvolvimento que tinha como objeto de seu estudo o sujeito epistêmico, o sujeito que constrói conhecimento. O autor estrutura uma concepção interacionista do homem, esse que detém um aparelho biológico, natural, que lhe permite conhecer, e ao mesmo tempo um indivíduo social, que aprende com o que lhe está ao alcance, com o que faz contato, é a partir da interação com o meio que o ser humano aprende. Assim, o cérebro e as estruturas adjacentes dão essa possibilidade da atividade mental, da aprendizagem, e são tão influenciadas pela interação que esta tem forte marca nas alterações causadas pela idade. “A inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de interações sociais, que são, em geral, demasiadamente negligenciadas” (PIAGET, 1967.p.314).
Para Wallon, o homem é geneticamente social, ou seja, não há como separar o sujeito de seu contexto, sendo assim, não se pode resumir o processo de envelhecimento aos efeitos biológicos de degradação se o desenvolvimento está ocorrendo, já que a velhice não é outra coisa senão uma etapa.
Se tomarmos a noção do social nos diferentes sentidos do termo, isto é, englobando tanto as tendências hereditárias que nos levam à vida em comum e à imitação, como as relações ‘exteriores’ (no sentido de Durkheim) dos indivíduos entre eles, não se pode negar, que, desde o nascimento, o desenvolvimento intelectual é, simultaneamente, obra da sociedade e do indivíduo (PIAGET, 1977, p. 242).
A concepção de desenvolvimento tomada por Piaget é a de um “continuum”, que vai desde o nascimento até a morte do sujeito. Nesse sentido, desenvolver é um verbo tomado como sem fim durante o ciclo vital. Já em relação a atividade intelectual, o interacionista considera como fator de influência até para a constituição de sujeito, de diferenciação do mundo e dos outros. Em síntese, segundo ele, o desenvolvimento biológico ampara e proporciona a aprendizagem.
Outro interacionista é Vygotsky, que estruturou a mesma linha de base para conceber o homem, entretanto, este trabalha com o materialismo histórico-dialético e discorre sobre a questão da mediação. Ele realizou estudos da filogênese (da espécie humana), ontogênese (indivíduos), sociogênese (do grupo social) e da microgênese (dos indivíduos em um determinado espaço e tempo). Dos achados da filogênese, Vygotsky desenvolveu o conceito de mediação, para ele, o homem realiza suas atividades através de um mediador, um terceiro elemento que é posto como intermediário em relação a outro. Essa mediação se dá por meio de instrumentos, quando para fins externos, ou por meio de signos, para fins psicológicos. É essa ideia de mediação que concede o aporte para pensar sobre o desenvolvimento do indivíduo proporcionado pelo meio, visto que ela que torna possível atividades psicológicas voluntárias com referências sociais, já que os mediadores são fornecidos pelas relações entre homens. Os processos de mediação acompanham o desenvolvimento ao longo do qual sofrem transformações, que ocorrem pela internalização, a qual já é, em si, uma transformação, do externo para o interno.
A noção de materialismo histórico-dialético é de que não é possível pensar sobre o homem sem olhar o seu contexto, a influência que o estilo de vida e a estrutura social tem sobre ele. A vida social segue um processo dinâmico entre o mundo cultural e o mundo subjetivo, a dimensão social, e a individual.
Diferente de Piaget, Vygotsky defendeu a posição de que a aprendizagem permitiria o desenvolvimento, o que condiz com as teorias e estimulação cerebral. A aprendizagem é entendida por ele como a aquisição de muitas capacidades especializadas para pensar sobre uma variedade de temas, a mente seria o conjunto dessas capacidades. Assim, quanto mais atividades realizadas, mais capacidades podem ser adquiridas e dessa forma, mais a mente se desenvolve. O autor inaugurou a ideia de zona de desenvolvimento proximal, ligada ao processo de maturação e aquilo que a criança já é capaz de aprender. Trazendo o termo para o contexto do envelhecimento, para se pensar uma cognição e estimulação de idosos, precisa-se pensar na ZDP, como também em utilizar conteúdos e atividades que estejam relacionadas às suas necessidades e interesses.
Por Estimulação Cognitiva entende-se qualquer tipo de intervenção não farmacológica que pretende, através de tarefas estruturadas com diferentes graus de dificuldade, estimular vários domínios cognitivos nomeadamente a memória, a atenção, a concentração, a percepção, o raciocínio, o pensamento, a imaginação, a linguagem, a capacidade viso espacial e a associação de ideia (PEREIRA, 2012; GONÇALVES, 2012; CASTRO, 2011). [...] A psicologia desenvolvimental do ciclo de vida vê o ser humano como um ser caracterizado por um dado potencial para a plasticidade, enquanto consequência de processos que ocorrem a múltiplos níveis e que coexistem uns com os outros, podendo gerar possibilidades ou constrangimentos à mudança desenvolvimental. Dessa plasticidade deriva um determinado potencial para a intervenção, permitindo prevenir, melhorar ou otimizar comportamentos ou percursos desenvolvimentais, agindo quer sobre o indivíduo quer influenciando o contexto físico e social onde o seu curso de vida se desenrola (FERNANDES, 2015, p.29).
Essa estimulação cognitiva consiste em um método interativo e social que visa melhorar a qualidade de vida dos sujeitos através do melhoramento de seus enfrentamentos no dia a dia.
No domínio da investigação psicológica do envelhecimento, a visão plástica do desenvolvimento humano reveste uma enorme utilidade prática, reforçando o pressuposto basilar de que, mediante intervenções intencionais e direcionadas neste sentido, é possível promover o desenvolvimento psicológico em etapas avançadas do ciclo de vida. (MIGUEL, 2014, p. 8).
Nesse sentido, pensar na estruturação de atividades de estimulação é também pensar em educação para a terceira idade, dado o seu caráter social e:
[...] a educação faz parte da vida das pessoas do seu nascimento, até a morte, passando pela idade adulta e velhice, sendo, em cada fase, uma configuração diferente, num continuum significante e significativo de acordo com cada estágio vivencial (PIAGET, 1973; NERI & CACHIONI, 1999), estando, portanto, presente na vida humana desde as primeiras formas de socialização o que, segundo Savater (2001), seria a razão de os seres humanos terem uma infância tão longa: é a partir dessas primeiras experiências que as pessoas vão construir suas estratégias para escapar aos problemas inerentes à vivência, tanto os mais complexos, quanto os mais simples, tanto vivendo sozinhos, quanto vivendo em sociedade (VITORINO; MIRANDA; WITTER, 2012, p.4).
A educação na terceira idade cumpre a função de integrar o idoso e de ressignificar o processo de envelhecimento. Logo, cabe a ela, através dos instrumentos sociais, desenvolver atividades de estimulação cognitiva e a promoção de conhecimento e novas habilidades. Dessa forma, convém considerar e relacionar os campos funcionais citados por Henri Wallon, tendo em vista que os três estão interligados durante todo o processo de psicogênese da pessoa, e aproveitados pela educação, permitem a melhoria da qualidade de vida e o envelhecimento ativo já que, envelhecer não se resume em degradações e impossibilidades, mas literalmente, em um constante desenvolvimento.
Comentários
Postar um comentário