Espectro autista: um olhar para os aspectos genéticos

Por Vitória Angelim e André Gallindo


O autismo é um transtorno fortemente genético, com uma herdabilidade estimada de 70% a 90%. Uma combinação de heterogeneidade fenotípica e o provável envolvimento de múltiplos loci que interagem entre si dificultam os esforços de descobertas de genes. Consequentemente, a etiologia genética dos transtornos relacionados ao autismo permanece, em grande parte, desconhecida. Nos últimos anos, a convergência entre tecnologias genômicas em rápido avanço, a finalização do projeto genoma humano e os crescentes e exitosos esforços em colaboração para aumentar o número de pacientes disponíveis para estudo conduziram às primeiras pistas sólidas sobre as origens biológicas desses transtornos.

O autismo tem sido associado a algumas doenças gênicas e aberrações cromossômicas autossômicas e de cromossomos sexuais, entre as quais se destaca a Síndrome do Cromossomo X- Frágil que apresenta uma incidência na população autista de 0 a 20% (OLIVEIRA et. al., 2004). A Síndrome do X-Frágil resulta da expansão repetida de trinucleotídeos CGG em Xq27. 3, o que reprime a produção da proteína Fragile Mental Retardation Protein (FMRP), essencial para a função cerebral normal e pode explicar o fenótipo comportamental autístico (OLIVEIRA et. al., 2004).

De acordo com Fleischer (2012), anomalias de quase todos os cromossomos já foram associadas ao autismo; Gupta & State (2006) sugerem que múltiplos loci, em vários cromossomos, interagem para levar as manifestações do TEA. Mesmo que seja amplamente aceito que não há um gene único do autismo, é difícil predizer o número de regiões genéticas, cromossomos ou loci, que contribuam para o desenvolvimento do transtorno. Estimou-se que aproximadamente 15 genes possam estar envolvidos, o que pode acabar sendo uma significativa subestimação do número total que pode levar ao desenvolvimento de um fenótipo ou até mesmo o aumento do seu risco (GUPTA, 2006; STATE, 2006). No entanto, os mesmos autores destacam que as primeiras evidências reproduzíveis que implicam regiões cromossômicas e genes específicos no TEA já foram apresentadas, Carvalheira, Vergani & Brunoni (2004) demonstraram que a primeira triagem ampla de todo o genoma para regiões cromossômicas envolvidas no autismo clássico incluiu aproximadamente 354 marcadores genéticos, localizados em oito regiões dos cromossomos 2, 4, 7, 10, 13, 16, 19 e 22. O estudo de Gardia, Tuchman & Rotta (2004) utilizando análises de ligação genômica encontrou sinais fortemente positivos de correlação com o autismo nos cromossomos 2, 7, 1 e 17. Estudos têm demonstrado que os cromossomos 2 e 7 apresentam sinais mais positivos de correlação com o autismo, mais particularmente as regiões 2q e 7q e ainda ressaltam que esta positividade aumenta quando se estudam somente autistas com déficits severos de linguagem (CARVALHEIRA, 2004 ; VERGANI, 2004; BRUNONI, 2004; GARDIA, 2004; TUCHMAN, 2004; ROTTA, 2004).

Segundo Moraes (2014), a identificação de cromossomos e genes candidatos para o autismo promete ajudar a esclarecer a fisiopatologia dessa síndrome trazendo oportunidades para o desenvolvimento de novos tratamentos, entretanto sugere que a investigação genética do autismo não deve apenas isolar os genes relevantes, mas também entender a função destes genes e a relação entre os diferentes níveis causais do autismo.

Há genes que codificam proteínas participantes do sistema serotoninérgico são também fortes candidatos para o estudo em autistas. O mau funcionamento desse sistema pode resultar em depressão, epilepsia, comportamento obsessivo-compulsivo e distúrbios afetivos. De fato, alguns desses genes vêm sendo estudados em indivíduos afetados, entre eles o gene 5-HTT, que codifica o transportador de serotonina, e os genes 5-HTRs, que codificam seus receptores. (Cook EH Jr, Courchesne R, Lord C, Cox NJ, Yan S, Lincoln A, et al.)

Apesar de todas as discordâncias em relação aos genes candidatos para o autismo, existem ainda boas razões para se acreditar que, uma vez conhecidos os genes envolvidos, novos agentes terapêuticos poderão atuar em alvos moleculares específicos. Na busca desses genes, a identificação de fenótipos quantitativos múltiplos é fundamental na seleção de algumas regiões. Por exemplo, a evidência que os cromossomos 7 e 13 têm forte associação com o autismo foi sugerida por um estudo com 75 famílias subdivididas em grupos baseados nas características de linguagem dos propósitos e de seus consanguíneos.(Bradford Y, Haines J, Hutcheson H, Gardiner M, Braun T, Sheffield V, et al). Também tem sido associada à região 2q em outras populações com dificuldade de linguagem.(Buxbaum JD, Silverman JM, Smith CJ, Kilifarski M, Reichert J, Hollander E, et al) Esses trabalhos têm sugerido que defeitos sociais e cognitivos fazem parte da ampla variação fenotípica do autismo. Os defeitos sociais incluem perda da resposta emocional, perda de empatia, hipersensibilidade e preocupações únicas com algum interesse especial. Já os defeitos de comunicação consistem principalmente de dificuldades pragmáticas ou outros problemas de linguagem. A ampliação do espectro fenotípico do autista poderá ajudar na identificação de genes envolvidos na doença (Folstein SE, Santangelo SL, Gilman SE, Piven J, Landa R, Lainhart J, et al). Assim, trabalhos multidisciplinares ou estudos em consórcios são a grande esperança para o melhor entendimento dos TID. Para a prática clínica, testes diagnósticos específicos ainda não são disponíveis. O diagnóstico do autismo deverá resultar de minucioso histórico evolutivo do paciente e inquérito familiar a respeito das habilidades cognitivas e comportamentais do mesmo. A investigação clínica confirmará ou não se o autismo está associado às síndromes mencionadas.

O TEA é um excelente modelo para demonstrar a complexidade genética do neurodesenvolvimento, pois apresenta um espectro clínico amplo, com fatores genéticos variados e complexos podendo ser herdados ou não. As formas não sindrômicas têm uma herança multifatorial associada a riscos ambientais e genéticos em uma combinação de característica aditiva.

Figura 1 (imagem adaptada: Priscylla Kamin) 

O modelo genético que explica o TEA foi chamado de “modelo de copo” e é um modelo de herança e limiar multifatorial que apresenta os impactos das variantes genéticas e ambientais com maior ou menor risco associado ao TEA, representados por círculos de tamanhos diferentes (estudo de 2018) [7] e a borda do copo representa o limite. Observe que indivíduos que ultrapassam esse limite estão no TEA (Figura 1).



O “modelo de copo”, os indivíduos do sexo masculino são representados por copos de tamanho menor, em relação ao sexo feminino, demonstrando uma diferença para atingir o limiar de diagnóstico (Figura 2). Estudos científicos mostraram que mulheres com TEA tem um número muito maior de variantes genéticas associadas ao transtorno se comparadas a homens com TEA, sugerindo que indivíduos do sexo feminino são mais resistentes a tais mutações o que explicaria a proporção de 4 meninos para 1 menina de acordo com o CDC (conforme estudo de 2014) [8].

Devemos ter em mente que o TEA é uma condição multigênica e multifatorial com combinação de variantes genéticas raras e comuns, que podem ou não ser herdadas.


REFERÊNCIAS: 
FREITAS, Ariane Miranda de; BRUNONI, Décio; MUSSOLINI, Juliana Lopes. Transtorno do espectro autista: estudo de uma série de casos com alterações genéticas. Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv.,  São Paulo ,  v. 17, n. 2, p. 101-110, dez.  2017 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-03072017000200010&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  17  jan.  2020.  http://dx.doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v17n2p101-110.

“AUTISMO E GENÉTICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA” de João Victor Soares Coriolano Coutinho1, Rosa Maria do Vale Bosso  Disponível em:
https://pt.scribd.com/document/361856981/Autismo-e-Genetica-Uma-Revisao-de-Literatura-2015

PIGNATARI, Graciela. Autismo x genética. Revista Autismo. 2019. Disponível em: <https://www.revistaautismo.com.br/artigos/autismo-x-genetica/> Acesso em: 10/01/2020

Abha R Gupta, Matthew W State “AUTISMO : GÉNETICA” Disponível em : http://www.scielo.br/pdf/rbp/v28s1/a05v28s1.pdf 

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