Fenomenologia e Transtorno Obsessivo-Compulsivo



Nesse artigo o enfoque será dado ao surgimento do Transtorno obsessivo-compulsivo quando manifestado na fase de transição entre infância e adolescência, um momento tão importante da vida do homem e que pode ser fortemente afetado pelo TOC,  que é muito nocivo ao convívio social e que leva o paciente  ao isolamento, expondo-o a uma série de doenças psiquiátricas. Além disso, há o preconceito enfrentado e a ridicularização de uma condição humana, o que dificultará a comunicação e o desenvolvimento de suas potencialidades segundo a fenomenologia.
Hodiernamente, o transtorno obsessivo-compulsivo é considerado pela psiquiatria uma doença crônica caracterizada pela repetição de pensamentos inoportunos e geralmente irracionais, o que conduz a repetição mecânica de atitudes para o alívio da ansiedade causada por tais pensamentos, comumente relacionados à higienização e organização como forma de prevenir que algo desastroso aconteça. As explicações para o surgimento desse comportamento são biológicas, ambientais e genéticas, podendo haver a combinação de todos esses fatores que serão despertados ao longo de toda a vida.
No entanto, num ponto de vista fenomenológico, a relação doença e cura é vista sob outra ótica que se faz necessária para discussão mais aprofundada do TOC. O entendimento da fenomenologia sobre o ser humano parte de uma perspectiva do ser-no-mundo, onde o homem é mais que um ser que responde aos estímulos do ambiente e mais que alguém inteiramente regido pela subjetividade. Sendo assim, as doenças estão ligadas à interação das partes e mais que a soma delas duas, logo, sob o trabalho de Galli (2009):

A perspectiva de uma psicopatologia fenomenológica toma suas origens da filosofia alemã e, mais particularmente, da obra de Husserl (1859-1938) e de Heidegger (1889-1976). A contribuição da fenomenologia conduziu a uma pluralidade de pontos de vista em psicopatologia. Dois métodos são mais conhecidos, o primeiro - que se pode qualificar de descritivo dos fenômenos de Karl Jaspers (1883–1969), em cuja concepção a psicopatologia ocupa-se, sobretudo como os “doentes” vivem - visa desvelar significações. O segundo método é o de Ludwig Binswanger (1881–1966) e seu trabalho conduz à Daseinsanalyse (análise existencial, análise da presença humana), atitude partindo da compreensão do homem em todas as suas formas e todos os seus mundos. De acordo com Binswanger, é preciso compreender o mundo do “doente” e situar os momentos que contribuíram para desenvolver a estrutura de sua personalidade. (GALLI; 2009)

No tocante ao adoecimento psíquico, o contexto social tem forte influência por perpassar os corpos vital, físico e mental do ser humano, retirando assim o equilíbrio do ser para com sua autonomia e potencialidade descritos por GALLI (2009), de maneira tal que:

O stress é desencadeado pela acentuada competição no ambiente de trabalho; as dificuldades percebidas em suas inter-relações afetivas e sociais geram um tipo de pressão interna experimentada sob a forma de sensações difusas de medo e sentimento agudo de vazio e isolamento interno.[...] violência social e econômica é muito mais grave que a guerra. A economia liberal imperante no mundo transforma os sujeitos em objetos. Esta violência é pior que a guerra porque é generalizada. Pessoas são levadas á depressão, jogadas na rua e no desemprego, Oi com a perda da sua subjetividade e raízes. (GALLI; 2009)

O TOC na visão fenomenológica é entendido na totalidade da personalidade do paciente, tal qual a solução buscada da mesma forma:

      A postura clínica proposta pela Terapia cognitiva fenomenológica (TCF) é de um tratamento norteado pela atitude fenomenológica, que pode e deve ser vista como uma forma de ver o mundo debruçada sobre a complexidade de cada um dos pacientes, assim como sobre suas diferenças. A clínica deve ser um instrumento de ajuda para o paciente e não, como podemos ver frequentemente, um instrumento para a ratificação de si mesma como postura teórica. (Werneck filho, 2012)

No artigo “Terapia cognitivo fenomenológica dos transtornos de ansiedade: tratamento do transtorno obsessivo compulsivo” de Werneck Filho, realizado em 2012, um dos casos estudados é o de Thiago de 14 anos que revela uma ligação do seu transtorno com uma crise de self, conceito desenvolvido por Rogers que pode ser entendido como a visão que se tem de si mesmo e da realidade a sua volta (ROGERSS, 1992; ROGERS e KINGET, 1977 apud MAIA, GERMANO, MOURA JR), pois no:

[...] momento comecei a realmente procurar entender o problema de T.. Todas aquelas dificuldades, toda a vontade de cumprir regras e de conseguir coisas sérias para atingir uma vida adulta. Uma exigência de desempenho da parte dos pais, velada, sob a forma de incentivo e apoio. Ele aparecia constantemente falando sobre a sua dificuldade em tomar decisões e o medo de decepcionar a si mesmo e aos outros. Sentia-me constantemente preso nos atendimentos com ele. Preso a um só assunto, preso a um só problema; essencialmente preso. (Werneck Filho, 2012)

A adolescência é um período de muitas mudanças tanto corporais, quanto de visão de mundo. Desta forma, conflitos e transformações são vivenciadas e convicções podem ser perturbadas junto às relações sociais, como religiosas, interpessoais e de intencionalidade:

O conceito husserliano de intencionalidade traz no seu seio as noções de intenção, intuição e evidência apodítica. Husserl chama de “intenção” o conteúdo significativo de alguma coisa. Temos a intenção de um objeto (um livro sobre a mesa) quando possuímos apenas o significado intencional desse livro (bem como da mesa). (Gondim da Silva, 2014)

No tocante da terapia para o tratamento do TOC, é necessário, segundo Rogers, uma atitude facilitadora por parte do terapeuta para que haja uma conexão verdadeira com o paciente fazendo deste espaço um local de estimulação das potencialidades, visto que, como afirma Rogers (1992), a partir da obra de Cruz (1994):  “Em qualquer processo de psicoterapia, o terapeuta é uma parte altamente importante da equação humana. O que ele faz, a atitude que mantém, seu conceito básico do papel que desempenha influencia notavelmente a terapia.”.
Assim sendo, o processo de cura é sempre buscado em conjunto ao processo terapêutico, sendo o cliente o protagonista dessa investigação que busca o sentido de seus comportamentos e de suas potencialidades, na mesma medida em que o terapeuta se coloca em uma posição de facilitador desse caminho. Dessa maneira, para fenomenologia, como aponta Galli (2009):

Para nós, cura não é solucionar problemas, mas entrar em contato consciente com o sábio, que cada um tem dentro de si e, a partir daí, realizar o que esse sábio decidir [...] Cura é acreditar em nós mesmos, no outro e no mundo.”. (GALLI, 2009)


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