Mulheres e sua relação com a menstruação: ressignificando o ciclo menstrual
Escrito por: Maria Luiza
“Lua e Mulher são iguais. Ambas são femininas, cíclicas e doadoras de vida.” — Miranda Gray.
O controle exercido sobre o corpo da mulher:
"Tem-se na nossa sociedade um controle rígido do corpo feminino e de suas funções básicas: menstruar, gestar, parir, ser. Empurram para a margem as nossas experiências, apagam a possibilidade de um conhecimento pleno e verdadeiro de nós e do nosso potencial. É muito comum associações da menstruação a algo ruim e até mesmo a uma doença. A criação desse imaginário negativo em torno do período menstrual foi e é uma poderosa forma para conter a sabedoria inerente a vida feminina.” Esse trecho, retirado do livro Manual da Ginecologia Natural e Autônoma, de Lais Souza, Jaqueline de Almeida, Luma Flôres e Maíra Coelho, expressa claramente o poder que o sistema patriarcal e capitalista exerce sobre o corpo da mulher, limitando a busca e compreensão das mesmas sobre sua própria natureza. Sabendo que o corpo é socialmente construído, pensemos na nossa sociedade, que está constantemente oprimindo e silenciando a mulher. Até que ponto ela consegue ter um olhar mais atencioso e gentil sobre o que acontece no seu próprio corpo, especificamente sobre seu período menstrual? A resposta para essa pergunta pode ser encontrada facilmente em discursos de mulheres que compõem o nosso círculo social que, em sua maioria, veem a menstruação com repulsa e o período menstrual como algo que causa tormento e desconforto. Diante dessa construção histórica sobre a natureza feminina, surgem, aos poucos, movimentos de mulheres que buscam ressignificar esses processos e desconstruir aquilo que durante muito tempo oprimiu e silenciou esse grupo. Assim, novos modelos de vida pulsante e livre passam a ser apresentados como uma forma de reparar o controle exercido sobre o corpo da mulher, buscando ressignificar a relação das mesmas com aquilo que lhe é mais natural: a menstruação.
A compreensão do Ser-mulher e sua relação com o mundo durante a TPM:
O ser humano percebe o corpo por meio dos órgãos dos sentidos. Ele é o próprio ser-com, pois, por meio da experiência, cria condições para que se estabeleça uma relação com o outro, com si próprio e de si próprio com o outro (MURAMATSU, 2001). É possível perceber que durante o período menstrual a mulher apresenta uma nova forma de se relacionar consigo mesma e com as pessoas ao seu redor. Essa mudança de comportamento é, sem dúvida, influenciada por questões hormonais, mas vamos nos atentar para um olhar mais fenomenológico dessa situação. Por meio da vivência no mundo, de experienciar a STPM, a mulher passa a se autoconhecer. Quanto mais se conhece e mais consciência tem de si, maiores são as possibilidades de visualizar as situações desencadeadas pela síndrome e transcender os problemas por meio de muito trabalho entre o corpo e a mente (MURAMATSU, 2001). Dessa forma, ao buscar se enxergar como um ser em sua totalidade, é possível, para a mulher, compreender o período pré-menstrual como uma possibilidade de entrar em contato com o seu eu-interior, respeitando as mudanças emocionais e comportamentais que acontecem durante o seu ciclo. Esse processo de autoconhecimento faz com a mulher passe a ter mais respeito pelas suas manifestações variadas de humor, o que pode influenciar no equilíbrio das suas relações com o outro durante esse período, como fala Clarice Muramatsu: “O sentido da existência da mulher surge a partir da relação do seu corpo com o mundo e com o outro. O que possibilita estar com o outro é, antes de tudo, estar consigo, é ter consciência de si.”, diante disso, percebe-se a importância de voltar esse olhar pra si e de gerar reflexões acerca do próprio ser e a sua forma de estar no mundo.
Ressignificando o período menstrual: o sagrado feminino
“(...) Autocuidar-se é veneração. Sem vergonha, medo, nojo de si. É reconhecer-se divina dentro de um corpo material. Se ver como templo sagrado de si e do Ser. E por isto mesmo se permitir amar-se profundamente. (...)”
- Jaqueline Almeida
É impossível analisar o processo de valorização do corpo da mulher sem falar do movimento feminista; é através dele que a mulher é colocada como sujeito independente e forte, derrubando a imagem de feminilidade como sinônimo de sensibilidade e vulnerabilidade. Durante muito tempo o sistema patriarcal buscou demonizar a menstruação, fazendo com que mulheres se sentissem envergonhadas e enojadas com o funcionamento natural do próprio corpo; porém, a quebra desse discurso veio anos depois e trouxe um olhar da mulher sobre a mulher, pois até então suas questões eram tratadas do ponto de vista masculino.
Em muitas culturas a menstruação era um momento especial na vida de uma mulher, era um momento de iniciação na vida adulta, momento de conhecer segredos, de participar de novos grupos sociais (Manual da Ginecologia Natural e Autônoma, 2018), essa visão da natureza feminina tem ganhado lugar de destaque na atual discussão sobre a menstruação. Hoje, muitas mulheres buscam enxergar o período pré-menstrual como uma oportunidade de entrar em contato com sua “força divina” e ressignificam a menstruação através de práticas como “plantar a lua” , ou seja, entregar seu sangue à Terra de forma ritualizada, a fim de restabelecer o vínculo com a Mãe Terra e transformar essa “morte” em nova vida, adubando o solo e agradecendo por tudo que a alimentou durante esse ciclo (RODRIGUES, 2017). Através de discursos pautados na filosofia do sagrado feminino, as mulheres têm buscado promover um estilo de vida que gere ensinamentos sobre aspectos físicos e mentais da natureza feminina e valorizar aquilo que lhe diz respeito. É eese anseio pela reconexão consigo mesma que tem dado início a um desligamento da supremacia patriarcal e um fortalecimento das mulheres que aderiram essa filosofia como meio de se expressar no mundo. É a partir disso que o processo de ressignificação da relação entre a mulher e sua menstruação se torna possível e engrandecedor.
“(...) Somos mulheres lua vermelhaE nos reinventamos a cada mêsNo jorrar de nosso rubro sangue.Seguiremos como nos foi ensinadoMarcando o caminho com sangue e folhasPara que as que vierem depois de nósNão se percam...” - Lainha
Comentários
Postar um comentário