Teorias psicogenéticas e Transtorno Obsessivo-Compulsivo



Primeiramente, esse texto visa abordar o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e suas consequências na fase infanto-juvenil. Uma vez que, apesar de ser considerado raro nessa faixa etária, suas taxas de prevalência são semelhantes às da fase adulta. Conforme Campos (2001), as taxas do TOC na infância e na adolescência variam de 1,9 a 4,0% e cerca de 33% dos pacientes adultos apresentam o começo dos sintomas na infância. No entanto, é imprescindível relatar as peculiaridades da expressão do TOC na fase infanto-juvenil, como será feito ao longo desse texto. O objetivo do mesmo é, portanto, agregar no conhecimento acerca dessa temática, haja vista que a banalização da doença nessa faixa etária e a consequente escassez de estudos dificultam o diagnóstico e o tratamento.


Destarte, é essencial diferenciar os conceitos de obsessão e compulsão, uma vez que esses serão abordados frequentemente. Segundo Campos e Mercadante (2000), obsessões são atos mentais semelhantes a pensamentos, ideias, imagens e impulsos, sentidos como incômodos intrusivos e têm sua origem em qualquer essência da mente, como preocupações, medos e memórias. Já as compulsões são definidas como comportamentos ou acontecimentos mentais recorrentes, feitos com o objetivo de reduzir o incômodo causado pelas obsessões ou para precaver alguma situação temida.
          De acordo com March e Leonard, conforme citado por Campos:
Numa revisão, March e Leonard relataram como mais frequentes em crianças e adolescentes as obsessões de contaminação, de medo de ferir-se ou de ferir os outros, sexuais e de religiosidade e as compulsões de lavagem, repetição, checagem e rituais de tocar em objetos ou pessoas.” (MARCH e LEONARD, 1996, p. 34 apud CAMPOS, 2000, p.1)
        No entanto, segundo Campos (2000), na infância, as compulsões geralmente surgem antes das obsessões, sendo essas menos frequentes que na idade adulta. Ademais, o TOC durante a fase infanto-juvenil pode causar danos psíquicos e sociais ao indivíduo que o possui.
        De acordo com Becker (2015):
Os hábitos diários no momento de comer, vestir, dormir, ir para a escola, participar de esportes e atividades, fazer as tarefas de casa e inclusive atividades prazerosas como brincar com outras crianças, podem ser visivelmente alteradas pelo transtorno. As próprias crianças com TOC veem seu comportamento como esquisito e diferenciado do comportamento dos seus companheiros, têm vergonha, e diversas vezes necessitam disfarçar ou retirar-se para realizar seus rituais compulsivos. Ocasionalmente não utilizam o banheiro da escola, nem se aproximam de seus colegas para impossibilitar qualquer contato físico e receiam que possam estar ficando “loucos”. Como princípio, o TOC nessas etapas da vida causa sofrimento enorme, prejudicam no rendimento escolar, nas relações sociais e, acima de tudo, no andamento familiar. (BECKER, 2015, p. 32)
       Outrossim, é dificultoso distinguir o que é um comportamento normal do que é demasiado, dado que durante um período do desenvolvimento infantil é comum o surgimento de ações repetitórias.
       Conforme Campos e Mercadante (2000):
Uma questão importante para a avaliação de crianças com TOC é a semelhança entre os sintomas obsessivo-compulsivos (SOC) e os comportamentos repetitivos característicos de algumas fases do desenvolvimento, tais como os rituais e as superstições. Dos dois aos quatro anos de idade, as crianças apresentam intensificação dos comportamentos repetitivos. Os rituais mais comuns nesta fase pré-escolar acontecem, principalmente, nos horários de dormir, de comer e de tomar banho. Por exemplo, uma história precisa ser contada da mesma forma várias vezes, os alimentos precisam ser organizados no prato de acordo com regras pré-estabelecidas, só tomam banho se estiverem com um brinquedo específico. A partir dos seis anos, os rituais se manifestam mais em brincadeiras grupais. Os jogos passam a ter regras rígidas e iniciam-se as coleções dos mais variados objetos. Outros exemplos de comportamentos ritualísticos normais são as superstições.
       Por conta disso, os mesmos autores enfatizam a importância do exame para a constatação do TOC:
Rituais e superstições são normais para estas fases do desenvolvimento. Eles têm geralmente o objetivo de auxiliar no desempenho e dar uma sensação de controle sobre a imprevisibilidade dos eventos. Além disso, não interferem no funcionamento da criança e não têm a frequência ou a intensidade dos SOC. No entanto, como tratam-se de comportamentos repetitivos, podem ser confundidos com os SOC. Portanto, é importante reconhecer quando os rituais e as superstições tornam-se patológicos e quando as crianças passam a precisar de ajuda. Deve-se considerar a faixa etária, a duração diária dos comportamentos, sua intensidade e se interferem ou não nas suas atividades e no seu desenvolvimento.
Além disso, crianças com TOC possuem maior predisposição a apresentarem transtornos psiquiátricos comórbidos. Consoante Geller (1996, p. 35), conforme citado por Campos (2001, p. 2), “90% das crianças e adolescentes apresentavam outros transtornos comórbidos, sendo que 70% preenchiam critérios para transtornos disruptivos do comportamento.” Além do mais, concordante Piacentini (1999, apud CAMPOS, 2001), outros desarranjos mentais podem se desenvolver, como depressão, fobias simples, ansiedade de separação, transtornos disruptivos e tiques.
É essencial também ressaltar que o meio exerce grande influência no desenvolvimento da criança que possui esse transtorno, podendo funcionar tanto como um causador de traumas e sofrimento psíquico, quanto como um acolhedor do indivíduo e de suas particularidades. No contexto escolar e familiar, muitas vezes a criança com TOC pode ser alvo de bullying e exclusão por outras pessoas ou até por ela mesma, o que repercute fortemente no processo de aprendizagem, uma vez que a mesma não estará confortável com sua própria individualidade. Baseando-se no autor interacionista Henri Wallon, o sujeito e o meio social são indissociáveis e agem um sobre o outro, tendo a afetividade grande importância no desenvolvimento da personalidade da criança, que é formada por essa ação recíproca.
De acordo com os estudos acerca de Wallon feitos por Ferreira e Acioly-Régnier (2010):
Assim, podemos compreender a afetividade, de forma abrangente, como um conjunto funcional que emerge do orgânico e adquire um status social na relação com o outro e que é uma dimensão fundante na formação da pessoa completa. (FERREIRA; ACIOLY-RÉGNIER, 2010,p. 27)
         
Dessa forma, o desenvolvimento da criança e do adolescente é vigorosamente influenciado pelo transtorno obsessivo-compulsivo, já que a patologia altera as relações sociais e o autoconceito dos que a possuem. Ainda segundo a análise da teoria de Wallon feita pelos mesmos autores:
Wallon situa a noção de pessoa como o conjunto funcional resultante da integração de suas dimensões, e cujo processo de desenvolvimento ocorre na integração do orgânico com o meio, que em sua teoria é sempre predominantemente social. (FERREIRA; ACIOLY-RÉGNIER, 2010,p. 29)

Portanto, devido às complicações no desenvolvimento psíquico e social causadas pelo TOC, é imprescindível a sua devida valorização e atenção aos possíveis sintomas, evitando assim um diagnóstico tardio e o preconceito da sociedade. Logo, é preciso mais investimento em pesquisas acerca do transtorno na fase infanto-juvenil, visto que a escassez de estudos dificulta o correto diagnóstico e a maior compreensão do tema permite que o indivíduo que o possui tenha uma maior qualidade de vida.



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